Síndrome de Cotard. A Doença Que Transforma Pessoas Em Zumbis

28/11/2014

Em 1880, uma mulher de meia-idade fez uma visita ao neurologista francês Jules Cotard, queixando-se de uma situação incomum. Ela tinha certeza que estava “sem cérebro, sem nervos, sem tórax, sem estômago, sem intestinos”. Senhorita X, como Cotard apelidou a paciente em suas notas, disse ao médico que julgava ser “apenas um corpo em decomposição”. Ela não acreditava na existência de Deus, nem de Satanás, tampouco contava ter uma alma. Como “não podia morrer de morte natural”, não tinha “necessidade de comer”,  eram outras afirmações da estranha mulher. Mais tarde, a Senhorita X morreu de fome.

Embora essa condição peculiar tenha se tornado conhecida como Delírio de Cotard, o neurologista francês não foi o primeiro a descrevê-la. Em 1788, quase 100 anos antes, Charles Bonnet relatou o caso de uma mulher idosa, que preparava uma refeição em sua cozinha, quando uma lufada de ar 'a golpeou com força no pescoço' paralisando um dos lados do corpo, como se ela tivesse sofrido um acidente vascular cerebral. Assim que recuperou a capacidade de falar, a anciã exigiu que suas filhas  “a envolvessem em uma mortalha e a colocassem em seu caixão”, porque julgava estar morta de fato. 



A ‘mulher morta’ ficou agitada e começou a repreender seus amigos vigorosamente pela negligência deles em não conceder a ela este último favor; e como continuaram hesitando, a mulher se tornou extremamente impaciente e, com ameaças, começou a pressionar sua empregada para vesti-la como uma pessoa morta. Com o passar dos dias, todo concordaram que era necessário trajá-la como um cadáver e colocá-la no caixão, a fim de acalmá-la. A velha senhora tentou expressar um olhar tão puro quanto possível, vistoriou as dobras e pinos do ataúde, inspecionou a costura da mortalha, mostrou insatisfação com a brancura de sua roupa. No final de tudo, ela adormeceu profundamente, em seguida, foi despida das vestes mortuárias e colocada na cama.

Na esperança de quebrar o transe, um médico ficou à cabeceira, administrado um “pó de pedras preciosas misturado com ópio”. A mulher, finalmente despertou do seu estado delirante; no entanto, a cada três meses, ela voltava a surtar, isso continuou pelo resto de sua vida. Durante os períodos em que pensava estar morta, “ela conversava com pessoas que tinham falecido há muito tempo, preparava jantares para elas e as hospedava”.

Atualmente, essa doença é muitas vezes referida como síndrome do cadáver ambulante. Embora sejam casos raros, realmente há pessoas diagnosticadas como portadoras de devaneios niilistas de que estão mortas e de que não existem mais. Às vezes, essa condição é caracterizada pela crença de que está faltando alguma parte essencial do corpo, geralmente órgãos internos, como no caso de uma mulher grávida de 28 anos de idade, que dizia que seu fígado estava ‘podre’ e que seu coração ‘havia desaparecido’.

Em 2013, a New Scientist entrevistou um homem chamado Graham Harrison, que havia tentado o suicídio nove anos mais cedo, levando um aparelho elétrico com ele para o banho, e que acordou no hospital acreditando estar morto. Ele disse:

Quando eu estava no hospital, eu dizia aos médicos e enfermeiros que os comprimidos não iam me fazer nenhum bem, porque meu cérebro estava morto. Eu perdi os sentidos do olfato e do paladar. Eu não via necessidade de comer ou falar, ou fazer qualquer outra coisa. Acabei por passar muito tempo no cemitério porque era o mais perto que eu poderia chegar da morte.

Em sua mente, Graham conveceu-se de que estava morto. Os médicos tentaram racionalizar com ele, mas não obtiveram sucesso. Então, Graham foi encaminhado para o Dr. Adam Zeman, neurologista da Universidade de Exeter, e para o Dr. Steven Laureys, neurologista da Universidade de Liège. Eles usaram tomografia por emissão de pósitrons para monitorar o metabolismo do singular paciente. O que eles descobriram foi inquietante!

A função cerebral de Graham era parecida com a de alguém durante uma anestesia ou durante o sono. “Ver esse padrão em alguém que está acordado é inédito, até onde vai meu conhecimento” – disse o Dr. Laureys à New Scientist. “Eu analiso tomografias já por 15 anos e nunca vi ninguém acordado, interagindo com as pessoas, com um resultado de varredura tão anormal.”

Graham é o único paciente com delírio de Cotard  a ter passado por uma tomografia, dando aos cientistas a oportunidade de estudar essa estranha síndrome, contudo, as conclusões não são definitivas,  uma vez que não há nenhum outro caso para comparação. A condição foi provisoriamente ligada ao transtorno bipolar em jovens, bem como à depressão grave e à esquizofrenia em pacientes mais velhos. O tratamento é variado. Normalmente, os que sofrem com com essa doença são medicados com uma combinação de anti-depressivos e anti-psicóticos, embora a eletroconvulsoterapia também tenha obtido bons resultados.

Para Graham, a psicoterapia e o tratamento medicamentoso tem ajudado a diminuir os sintomas do delírio de Cotard, contudo, a jornada tem sido longa e difícil. Durante a última década, ele foi muitas vezes encontrado sentado em cemitérios locais, na tentativa de chegar mais perto da morte. “A polícia me encontra e me levar para casa”, disse ele.

Apesar de tudo, Graham tem motivos para agradecer. Muitos dos que sofreram com essa enfermidade no passado, morreram de fome, outros chegaram  a derramar ácido sobre si mesmos, em um esforço para deixar de ser um do “mortos-vivos”. Uma coisa é certa: o delírio, de Cotard ou “síndrome do cadáver ambulante”, ilustra o quão pouco sabemos sobre o cérebro humano, mesmo com toda a ciência do século 21.

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